segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

IDEIAS - Steven Johnson - De onde vêm as boas ideias - O paradoxo de Darwin

  • Um interessante talk ilustrado de Steven Johnson, citado como um dos mais influentes pensadores do ciberespaço pelos periódicos Newsweek, New York Magazine e Websight. 
  • É editor-chefe e co-fundador da Feed, premiada revista cultural on-line. Johnson graduou-se em semiótica pela Brown University e em literatura inglesa pela Columbia University. 
  • Autor dos livros: Cultura da Interface, De cabeça aberta, Emergência, De onde vêm as boas ideias, dentro outros. 
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  • O paradoxo de Darwin
4 de abril de 1836. Em toda a extensão oriental do oceano Índico, os confiáveis ventos nordeste da estação das monções começaram a dar lugar aos dias serenos de verão. Nas ilhas Cocos, dois pequenos atóis compostos de 27 ilhas de coral quase mil quilômetros a leste da Sumatra, as águas cor de esmeralda estão convidativamente plácidas e mornas, seu tom realçado pela areia branca e brilhante de coral desintegrado. Num trecho de litoral em geral protegido por uma arrebentação mais forte, a água está tão calma que Charles Darwin avança, sob o vasto céu azul dos trópicos, até a borda do recife de coral vivo ao redor da ilha.

Passa horas parado ou remando em meio à magnificência do recife. Com 27 anos de idade, a mais de 11 mil quilômetros de Londres, Darwin está à beira de um precipício, postado sobre um pico submerso que se eleva através de um mar insondável. Está também à beira de uma ideia sobre as forças que formaram aquele pico, uma ideia que se provaria a primeira grande descoberta científica de sua carreira. E acaba de começar a explorar uma outra intuição, ainda nebulosa e informe, que acabará conduzindo ao cume intelectual do século XIX.
À sua volta, as multidões do ecossistema do coral se agitam e tremeluzem. A simples variedade fascina: peixe-borboleta, peixe-donzela, peixe-papagaio, peixe-napoleão, peixe-anjo; anthias-dourado alimentando-se de plâncton sobre as couves-flores desabrochadas do coral; os espigões e tentáculos dos ouriços-do-mar e das anêmonas. O espetáculo encanta os olhos de Darwin, mas sua mente já divisa, por trás do esplendor superficial, um mistério mais profundo. Em seu relato da viagem a bordo do Beagle, publicado quatro anos depois, ele escreveria: “É desculpável encher-se de entusiasmo diante dos números infinitos de seres orgânicos de que os mares dos trópicos, tão pródigos de vida, pululam; devo confessar, contudo, que aqueles naturalistas que descreveram, em palavras muito conhecidas, as grutas submarinas adornadas com milhares de belezas parecem ter se entregado a uma linguagem um tanto exuberante.”
O que permanece no fundo de sua memória, nos dias e nas semanas que se seguem, não é a beleza da gruta submarina, mas o “número infinito” de seres orgânicos. Em terra, a flora e a fauna das ilhas Cocos são, na melhor das hipóteses, mesquinhas. Entre as plantas, há pouco além de coqueiros, liquens e ervas daninhas. “A lista dos animais terrestres”, escreve ele, “é ainda mais pobre que a das plantas”: um punhado de lagartos, quase nenhuma verdadeira ave terrestre e aqueles imigrantes recentes de navios europeus, os ratos. “A ilha não tem nenhum quadrúpede doméstico exceto o porco”, Darwin registra com desdém.
No entanto, a poucos passos desse habitat desolado, nas águas do recife de coral, floresce uma diversidade épica que só encontra rival nas florestas úmidas. Isso é um verdadeiro mistério. Por que deveriam as águas à beira de um atol sustentar tantas formas de vida? Se extrairmos trezentos metros cúbicos de água de praticamente qualquer lugar do oceano Índico e fizermos um inventário completo da vida que encontramos ali, a lista será quase tão pobre quanto a enumeração dos animais terrestres das ilhas Cocos. Com sorte, poderíamos encontrar uma dúzia de peixes. Já no recife com certeza encontraríamos pelo menos mil. Nas palavras do próprio Darwin, topar com o ecossistema de um recife de coral no meio do oceano era como encontrar um oásis fervilhante de vida no meio de um deserto. Hoje chamamos esse fenômeno de “paradoxo de Darwin”: tantas formas de vida diferentes, ocupando uma série tão vasta de nichos ecológicos, habitando águas que de outro modo seriam extremamente pobres em nutrientes. Embora os recifes de coral constituam cerca de um décimo de 1% da superfície da Terra, é neles que vive cerca de um quarto das espécies conhecidas de vida marinha. Quando se encontrava na laguna em 1836, Darwin não tinha acesso a essas estatísticas, mas nos quatro anos anteriores passados no Beagle vira o suficiente do mundo para saber que nas águas apinhadas do recife havia algo peculiar.
No dia seguinte, Darwin se aventura no lado a barlavento do atol com o capitão do Beagle, o vice-almirante James FitzRoy, e ali os dois veem ondas enormes quebrarem contra a barreira branca de coral. Um espectador europeu comum, acostumado às águas mais calmas do canal da Mancha ou do Mediterrâneo, teria se sentido naturalmente atraído pela impressionante crista das ondas. (Os vagalhões, Darwin observa, são quase “iguais em força aos que vemos durante um vendaval nas regiões temperadas, e nunca se aplacam”.) Mas o que chama a atenção de Darwin é outra coisa – não a violenta ondulação da água, mas a força que resiste a ela: os minúsculos organismos que construíram o próprio recife.
O oceano, jogando suas águas sobre o extenso recife, parece um inimigo todo-poderoso, invencível; no entanto, vemos que ele encontra resistência, e é até conquistado, por meios que a princípio parecem extremamente fracos e ineficientes. Não é que o oceano poupe a rocha de coral; os grandes fragmentos espalhados sobre o recife e empilhados na praia, dos quais brotam os altos coqueiros, manifestam claramente a implacável força das ondas … Porém, essas ilhotas de coral baixas, insignificantes, aguentam e são vitoriosas, pois aqui um outro poder participa da luta como antagonista. As forças orgânicas separam os átomos de carbonato de cal, um por um, dos vagalhões espumantes, e os unem numa estrutura simétrica. Ainda que um furacão lhe arranque milhares de enormes fragmentos, que poder terá contra o trabalho acumulado de miríades de arquitetos que se dedicam dia e noite, mês após mês?
Darwin sente-se atraído por esses minúsculos arquitetos porque acredita serem eles a chave para a solução de um mistério que levou o Beagle às ilhas Cocos. No memorando do almirantado que autoriza a viagem de cinco anos do navio, uma das principais diretrizes é a investigação da formação dos atóis. O mentor de Darwin, o brilhante geólogo Charles Lyell, havia sugerido pouco tempo antes que os atóis são criados por vulcões submarinos arremessados para cima por poderosos movimentos da crosta terrestre. Na teoria de Lyell, a forma circular característica de um atol emerge quando colônias de coral constroem recifes ao longo da circunferência da cratera vulcânica. O pensamento de Darwin tinha sido profundamente moldado pelo modo como Lyell compreendia o tempo profundo da transformação geológica, mas postado ali na praia, vendo os vagalhões quebrarem contra o coral, ele sabe que seu mentor está errado em relação à origem dos atóis. Essa não é uma história de simples geologia, ele percebe. É uma história relacionada à persistência inovadora da vida. E, enquanto matuta sobre a ideia, há um indício de outra coisa em sua mente, uma teoria maior, mais abrangente, que poderia explicar o vasto âmbito das inovações da vida. Formas desconhecidas vão, pouco a pouco, ganhando corpo.
Dias depois, de volta ao Beagle, Darwin abre seu diário e reflete sobre aquele choque mesmerizante entre as ondas e o coral. Pressagiando uma linha que publicaria trinta anos mais tarde na passagem mais famosa de A origem das espécies, escreve: “Mal posso explicar a razão, mas parece-me haver grande magnificência na visão das costas exteriores desses atóis.” Com o tempo, descobriria o porquê.

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