segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

FILOSOFIA DO FUTURO - ALÉM DO BEM E DO MAL - NIETZSCHE

  • ALÉM DO BEM E DO MAL OU PRELÚDIO DE UMA FILOSOFIA DO FUTURO - FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE
  • NOTA PRELIMINAR
Muito se tem visto em termos de introdução e prefácios a obras de filosofia. Alguns tradutores, eivados de boas intenções, mas sem formação filosófica mínima, confundem filosofia com a explanação das biografias dos autores filosóficos e apenas nisso veem utilidade. Como se o conceito de útil tivesse grande força filosófica! Como diz o próprio Nietzsche, há demasiadas profundidades atrás de um livro, cavernas que se pospõem aos planos frontais, um requinte em máscaras e subterfúgios — precisamente, a nosso ver, para apartar as aves domésticas dos altos vôos destinados às aves de rapina.
 

Ouçamos o que diz Nietzsche a respeito deste seu livro em "Ecce Homo"; parte III, "Porque escrevo bons livros".
  • I
"As minhas finalidades para os anos seguintes estavam fixadas com a máxima precisão. Terminada a parte afirmativa de meu objetivo, surgia agora a meta negativa, quer na palavra, quer na ação: a inversão de todos os valores que tiveram curso e vez nesse período, a guerra suprema, a evocação de um dia decisivo. Neste período efetiva-se a busca de caracteres semelhantes ao meu, pesquisa lenta e demorada, de  individualidades transbordantes de energia que pudessem ajudar-me no  mister de destruição. A partir de então, todas as minhas obras assemelham-se a anzóis: tenho a pretensão de entender melhor que qualquer outro dessas coisas relativas a caniços... Se a isca não foi abocanhada, a culpa não é minha.
 

Não  havia peixe...
  •  II
Esta obra (l886) é, na essência, uma  crítica da modernidade —  não excluídas as ciências ditas modernas, as artes modernas e até a política moderna — indicando também um tipo oposto, muito mais que moderno, um tipo nobre, afirmativo.
 

Neste sentido, o livro é uma "escola do cavalheiro", considerando-se esse conceito de modo mais intelectual e radical do que tem sido até agora. É necessário ter coragem no corpo, ainda que simplesmente para aceitar esta interpretação, é preciso desconhecer o medo. Todas as coisas de que se ufana nossa época são consideradas como contrárias a este tipo, quase  "modos nocivos", por exemplo, o famoso "objetivismo", a "compaixão pelos sofredores", o "sentido histórico" com sua submissão ao gosto exótico, com sua banalidade diante dos petits laits,  o "espírita científico".
 

Considerando que este livro é posterior em publicação ao "Assim falava Zaratustra", talvez se chegue mesmo a determinar o regime dietético a que deve sua origem. Os olhos acostumados por um longo constrangimento a olha agudamente para longe — Zaratustra vê mais longe que o Tzar — vê-se forçado a lançar uma vista de olhos aguda às coisas próximas, às  circunvizinhas.  Em todos os detalhes e sobretudo em termos formais verificar-se-á um idêntico e voluntário alheamento dos instintos que tornaram possível a criação do Zaratustra. Nota-se a figura da forma, das intenções, da arte de calar,  a psicologia é tratada com dureza e crueldade, preconcebidas, não há, em todo o livro, uma única palavra de bondade... Repouso, que poderia adivinhar que tipo de repouso exige uma dissipação de vontade como a do "Zaratustra"?  

Teologicamente falando — escutai, não é fato comum que eu adote a voz do teólogo! — foi deus mesmo que, acabado seu trabalho e assumida a forma de serpente pôs-se ao pé da ciência — assim descansou do cansaço de ser Deus. Fez bem... O diabo nada mais é que o ócio de deus a cada sete dias..." Seria preciso mais?  
  • PREFÁCIO
Supondo-se que a verdade seja feminina — e não é fundada a suspeita de que todos os filósofos, enquanto dogmáticos, entendem pouco de mulheres? Que a espantosa seriedade, a indiscrição delicada com que até agora estavam acostumados a afrontar a verdade não eram meios pouco adequados para cativar uma mulher? O que há de certo é que essa não se deixou cativar — e os dogmáticos de toda a espécie voltaram-se tristemente frente a nós e desencorajaram-se.  

Se de resto pode-se dizer que ainda estejam em pé! Aqui estão os troçadores que pretendem ter a dogmática caído irremissivelmente e até que esteja agonizante. Falando sério há um bom motivo para esperar que em filosofia o dogmatizar, ainda que tenha esbanjado frases solenes e aparentemente incontestáveis, tenha sido uma nobre peraltice de diletantes e que está próximo o tempo em que se compreenderá cada vez mais quão mesquinhas são as bases dos edifícios sublimes e aparentemente inabaláveis, erigidos pelos filósofos dogmáticos — alguma superstição sobrevivente de épocas pré-históricas (como superstição da alma que ainda hoje continua a ser fonte de queixumes com a superstição do "sujeito" e do "eu"), sem falar em alguns jogos de palavras, alguns erros gramaticais, ou ainda alguma audaz generalização de muito poucos fatos, muito pessoais e muito humanos, antes de mais nada humanos.
 

A filosofia dos dogmáticos foi, esperamos, simplesmente uma promessa para alguns milhares de anos no futuro, como em tempos ainda remotos o foi a astrologia, a serviço da qual foram dispendidos mais dinheiro, trabalho, perspicácia e paciência de que até agora já se dispendeu com uma ciência positiva qualquer — à astrologia e às suas aspirações sobre naturais devemos o estilo grandioso da arquitetura da Ásia e do Egito.
 

Parece que toda coisa grande para poder se imprimir com caracteres indeléveis no coração humano deve primeiramente passar sobre a terra sob o aspecto. de uma caricatura monstruosa e assustadora; tal caricatura monstruosa foi a filosofia dogmática; por exemplo a doutrina dos Vedas na Ásia e o platonismo na Europa. Somos ingratos para com eles, ainda que seja necessário confessar que o pior, o mais pertinaz e o mais perigoso de todos os erros foi o de um filósofo dogmático e precisamente a invenção platônica do puro espírito e do bom por si mesmo. Mas hoje que o superamos, que a Europa respira aliviada de., tal incubo e que pelo menos pode dormir um sono mais salutar, somos,  nós cuja única junção é permanecermos acordados,  somos os herdeiros de toda força, acumulada pela longa luta contra o erro.
 

Seria preciso colocar a verdade de pernas para a ar, renegar a perspectiva, a condição fundamental da vida, para falar do espírito do bem como o faz Platão; antes, como médico, poder-se-ia perguntar "por que uma tal moléstia no produto mais belo da Antiguidade, em Platão? Seria então verdadeiro que Sócrates o tivesse corrompido? Seria Sócrates efetivamente o corruptor da juventude? Mereceu, na verdade, a sua cicuta?" Porém a luta contra Platão, ou para dizê-lo de modo mais inteligível e popular, a luta contra a milenar opressão clerical cristã — uma vez que o Cristianismo é um Platonismo para a povo — produziu, na Europa, uma maravilhosa tensão dos espíritos até então nunca vista na terra; com o arco vergado de tal forma pode-se visar o alvo mais longínquo. É verdade que para o europeu esta tensão é causa de mal-estar; e duas grandes tentativas de relaxar o arco já foram feitas, a primeira vez com o jesuitismo e a segunda com a propaganda das ideias democráticas. Com o auxílio da liberdade de imprensa e com a leitura dos jornais chegamos a tal ponto que o espírito não sentirá mais incubo de si mesmo. (Os alemães inventaram a pólvora, que isto lhes sirva de orgulho; mas inventaram a imprensa e com isso cometeram erros!)
 

Mas nós, nós que não somos jesuítas, democratas e nem mesmo suficientemente alemães, nós, nós bons europeus e espíritos livres — sentimos agora toda a opressão do espírito, possuímos toda a tensão do arco! E, é claro, também a seta, a tarefa, e quem sabe? o alvo...
 - Sils-Maria, Engadina Sup., junho de 1885.

  • PRIMEIRA PARTE
 - OS PRECONCEITOS DOS FILÓSOFOS

  • - Leia mais baixando:
- FILOSOFIA E-BOOKS I

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