- A Quinta Onda é o Seu Futuro - Por Carlos Clemente Nóbrega.
O futuro valorizará cada vez mais o trabalhador da inteligência. É o que se fala - e, se isso estimula, também amedronta: que inteligência é essa? Como será esse futuro? Há muito papo furado no mundo das empresas.
Valoriza-se muito o "falar bem", "falar bonito", impressionar em reuniões usando poses verbais pseudo-eruditas; mas administrar é fazer a ação se instaurar. Já que você é o administrador da própria vida, cuidado com o palavreado vazio: a idéia tem que levar à ação. Se não levar, não vale nada...
Dá para falar do amanhã sem a tola pretensão de prevê-lo? Tem que dar. Para poder agir, você tem que ter alguma paisagem do futuro na cabeça.
Dizer simplesmente que teremos de saber "gerenciar o conhecimento", o "capital intelectual" ou mesmo a "inteligência", é dizer muito pouco.
Inteligência e futuro sempre estão interligados.
O neurofisiologista William Calvin diz que inteligência tem a ver com a capacidade de antecipar, de planejar cursos de ação até então inéditos, ensaiando-os na mente antes de agir. Não tem que ser necessariamente nada de muito sofisticado, não. Num nível bem primário, inteligência é a capacidade que você exercita quando abre a geladeira e pensa no que terá que comprar para poder preparar um jantar a partir das sobras do almoço. Quando você inventa uma ordem nova a partir de coisas com as quais nunca tinha deparado.
É esse o talento que têm os poetas ao fazer arranjos de palavras que nos arrebatam com significados intensos, e também o dos grandes chefs de cozinha, ao nos surpreenderem com combinações originais de ingredientes. Jean Piaget define inteligência como o sofisticado ato de tatear que se usa quando não se sabe ao certo o que fazer. Inteligência tem a ver com o improviso. É o processo de improvisar e refinar o improviso.
Inteligência sempre tem a ver com olhar para a frente de forma criativa e visualizar o que não é óbvio. Tem sempre a ver com um futuro construído dentro de nossas cabeças. Se não há como prever detalhes da paisagem do amanhã, já é possível vislumbrar sua silhueta. Não se trata de bola de cristal, mas de idéias que darão o tom do que virá. Comecemos do começo.
- 1- Você já está surfando na quinta onda
Joseph Schumpeter disse que uma economia saudável é a que rompe o equilíbrio por meio da inovação tecnológica. Em vez de ficar buscando otimizar o que está aí, a atitude produtiva é a de inovar com o que ele chamou, numa definição clássica, destruição criativa. Isso é que abriria oportunidades para o crescimento. Essa idéia tem tudo a ver conosco.
Na visão de Schumpeter, os ciclos em que o mundo viveu no passado foram determinados, todos eles, por atividades econômicas diferentes. Se você fosse um jovem de visão no final do século 18, provavelmente estaria pensando em seguir carreira em algo ligado à energia hidráulica, à indústria têxtil ou à indústria do ferro. Alguém buscando um emprego de prestígio a partir da segunda metade do século 19 pensaria em máquinas a vapor, estradas de ferro ou aço; na virada do século, seria eletricidade, indústria química ou motores de combustão interna.
Cada onda dessas estimulava investimentos e expansão da economia. À medida que a tecnologia amadurecia e os investimentos demoravam mais para dar retorno, as oportunidades começavam a diminuir. O boom inicial arrefecia e era substituído por uma nova onda de inovação que acabava com a maneira antiga de fazer as coisas e criava as condições para um novo boom.
O motor da mudança para Schumpeter é sempre o empreendedor: é ele que age como fermento no processo de "destruição criativa", permitindo que a economia renove a si mesma e um novo ciclo comece.
Por volta de 1950, o terceiro ciclo já havia ocorrido. A quarta onda (petroquímica, eletrônica, aviação e produção em massa) veio em seguida e, se já não acabou, está no finalzinho.
As ondas de Schumpeter estão encurtando (de 50-60 anos para 30-40), e tudo indica que a quinta onda - a sua onda, leitor - já avançou um bocado; provavelmente está até se aproximando da maturidade. É nela que você já está surfando. Dê uma olhada na figura abaixo.
Daqui a 20 anos o ciclo atual estará terminando; você estará na maturidade de sua competência e, provavelmente, trabalhando em algo ligado a redes-softwares-mídia-entretenimento-realidades virtuais. O fato central é a Internet. Sabemos que estamos decolando rumo a algo, mas não sabemos ainda o que é. Vamos tentar delinear melhor esse "algo".
- 2 - A fase irracional da Internet já está passando.
O fato central da quinta onda é a Web, a World Wide Web, a WWW - a rede mundial que interliga centenas de milhões de computadores, e, junto com eles, almas, cérebros e vontades humanas. Há pelo menos quatro anos a Internet é uma realidade. Mas quem já sabe mesmo como fazer negócios na Web? Que empresa pode dar-se ao luxo - ou à irresponsabilidade - de limitar suas operações a ela? Resposta: só uns poucos que já nasceram com "cabeça de Internet". Quem tem de fazer a transição para ela, a partir de uma cabeça da "quarta onda", está sofrendo um bocado.
Não dá para saltar, de repente, para dentro do futuro, mas também não dá para desconsiderá-lo. O problema maior é de timing - espere muito e alguém o engole, vá depressa demais e seu negócio estabelecido desmorona. É um pé lá, outro cá. Não é "isso ou aquilo". São os dois. Boa sorte!
Toda vez que se abre um nicho, surgem organismos para tentar ganhar a vida nele. Foi o que ocorreu com a vida na Terra, e é exatamente o que está ocorrendo com esse ambiente explosivamente estimulante de novos experimentos, a Internet. Milhões de tentativas estão sendo feitas.
Empreendimentos totalmente novos estão, neste momento, submetendo-se à seleção natural da Web. Só uma fração mínima vai sobreviver. Como a recompensa para quem chegar lá é enorme, muitas experiências malucas estão sendo feitas por jovens empreendedores que têm relativamente pouco a perder e estão forçando as "espécies empresariais" já estabelecidas a evoluir em novas direções, inventando novos modelos de negócios e caminhos diferentes para tentar assegurar a própria sobrevivência.
Uma vez em cena, a World Wide Web revelou-se um nicho para todo tipo de experimentação. Um nicho não. Uma vasta coleção deles. Um universo novo. Mas a maluquice vai acabar - estamos apenas vivendo o primeiro impulso na escalada da quinta onda.
- Quem foi aí que falou em maluquice?
A Reel.com gastou milhões de dólares anunciando a promoção. O que ela queria? Atrair toneladas de visitantes e chegar ao lucro vendendo espaço de "propaganda" (banners) em seu site. Milhares e milhares de pessoas foram ao site comprar o vídeo. A Reel.com estava gastando 600 000 dólares por semana anunciando a promoção, mas lucros, nada. Estava quase perdendo os 7,7 milhões de dólares que os investidores tinham colocado no negócio e ia quebrar, quando foi comprada por 100 milhões de dólares por um gigante do ramo de aluguel de fitas de vídeo chamado Hollywood Entertainment. Ufa!!
O que está por trás disso? A ideia de que, se há um site atraindo muita gente, no fim das contas, eventualmente, de alguma maneira, ele vai virar um negócio real.
Se você ficou impressionado e quer tentar algo assim, aqui vai a dica de um especialista americano da qual me aproprio: crie um site chamado notadeumdollar.com.br. Comprometa-se a enviar notas de 1 dólar, novinhas, a quem lhe enviar 85 cents. Correio incluído (notas verdadeiras, claro, sou um consultor sério!). Esse site atrairá certamente milhões de clientes do mundo todo da noite para o dia. Você poderá vender milhões em espaço de propaganda. Patenteie a idéia. Procure os investidores, avise à mídia e lance ações da empresa no mercado. Depois me conte como é a sensação de ser milionário (pela idéia eu só cobro um modesto percentualzinho do seu ganho).
A evolução elimina os organismos menos aptos. A economia digital vai eliminar esse tipo de aventureirismo. Esses booms não podem durar. O que vai acontecer? O mais provável é que os investidores, de repente, resolvam cair fora, percebendo finalmente que esses business models realmente não funcionam ou redescobrindo que o que dá valor às empresas é lucro. Não hits, não apenas receita, não atenção da mídia, não perspectivas, não jovens corajosos. Lucro. (Fonte: Digital Darwinism. Evan Schwartz, Broadway Books, 1999)
A lógica da quinta onda diz que a Web não é apenas mais um lugar para se fazer as mesmas velhas coisas de modo um pouquinho diferente. Não é isso. É um espaço em outra dimensão, que permite às empresas oferecerem valor de forma original, e permite às pessoas exercitarem, a seu modo, sua individualidade e seu direito de ser elas mesmas.
É absurdo abordar a Internet como se fosse TV. Temos a tendência de pegar idéias novas - e querer forçá-las para dentro de cabeças de ontem. Não funciona.
A Internet é mesmo o embrião de uma nova ordem industrial. Muda tudo. O problema não é ela, somos nós. Dê um tempo. Observe. Entre nela experimentalmente, mas entre.
- 3 - Todas as empresas serão virtuais
É simplesmente mais econômico deixar o trabalho fluir entre times pequenos, temporários, que se organizam e se coordenam em resposta a estímulos do mercado. É muito mais eficiente. A pressão, por se tornar virtual (isto é: produzir coisas reais e oferecer serviços de valor, sem muitos "ativos fixos"), está se tornando muito forte para se resistir.
É essa a pressão fundamental da quinta onda. Ninguém tem escolha. Assim como no mundo natural, as espécies evoluem em resposta ao desafio de perpetuar-se (deixando cópias delas mesmas no mundo); para você entender a evolução na Web, você tem de entender o que movimenta sua dinâmica: dinheiro.
Não se choque. A Internet está propondo uma aposta ousada, empolgante e assustadora: as maneiras de se ganhar dinheiro, muito dinheiro, estão mudando radicalmente. Continue lendo.
- 4 - Atenção:
Se você der uma olhada nas revistas internacionais dos últimos meses, vai encontrar, geralmente na capa, um personagem com cara de bebê chamado Jeff Bezos. É o executivo principal da Amazon Books, a livraria virtual queridinha de todo mundo. A Amazon é o exemplo típico do sucesso que pode tornar-se padrão na quinta onda. Bezos não está na categoria dos malucos que mencionei, e vale a pena prestar atenção no que está fazendo.
Sempre soubemos que o valor de uma empresa é determinado por seus bens e por sua performance (lucros). Pois bem, a Amazon não tem bens e não tem lucros. No entanto, suas ações são valorizadíssimas, a empresa está cheia de dinheiro captado no mercado e seu dono está bilionário.
Sua rival de "cimento e tijolo", a Barnes and Noble, com centenas de lojas "reais" espalhadas pelos EUA, vende, via Internet, dez vezes menos que a Amazon, mas corre um perigo real e não sabe o que fazer. A B&N tem estoque, tem ativos e tem lucro, mas vale muito menos que a Amazon (que este ano vai dar um prejuízo de mais de 500 milhões de dólares).
É esquisito: ninguém se interessa pelo fato de a B&N ter 15% do mercado dos EUA e a Amazon, só 2%. Tudo o que interessa é que a amazon.com tem 8,4 milhões de clientes registrados, enquanto a barnesandnobel.com tem só 1,7 milhão e, de todos os livros comercializados on-line, a Amazon vende 75% e a B&N, só 15%. O valor de mercado da amazon.com é de 18 bilhões de dólares e o da barnesandnoble. com é de 3,2 bilhões (o da B&N de "cimento e tijolo" é menor ainda: 2 bilhões).
Esse é só um exemplo. Há muitos outros. O valor de mercado da Yahoo - que está só há três anos no mercado de ações - pulou de 34 milhões para 27 bilhões de dólares. Mais que a Boeing, mais que toda a indústria siderúrgica americana.
A supervalorização das empresas virtuais está deixando todo mundo perplexo. Os gigantes olham desconfiados: "Não vai durar", diz Louis Gerstner, da IBM. Jack Welch, da GE, também desdenha. Mas, segundo a Business Week de 28/6/99: "Os dois são muito espertos para não notar que há muito mais acontecendo do que simplesmente preços de ações explodindo".
- Qual a lógica disso? Deixe-me explicar
Está acontecendo um choque de "modelos de negócio", que ameaça subverter tudo o que achamos que sabemos. Em bom português: as regras para se ganhar dinheiro estão sendo viradas de pernas para o ar.
Bezos, multibilionário da noite para o dia, vende o quê? Resposta: vende a possibilidade de uma nova forma de vender.
- Como é que é??!!
Bezos quer vender "tudo" e, por enquanto, o mercado está acreditando que ele vai conseguir. A Amazon dá prejuízo hoje porque investe tudo o que ganha em infra-estrutura para "gerenciar clientes de 'tudo'". Compra outras empresas. Atrai talentos. A expectativa é que, em dois anos, esteja lucrativa. Será? Ele aposta no fim do shopping center tradicional.
Ele quer ser o líder da nova era graças a um talento incrível para criar relações com um cliente de cada vez, como se cada um fosse único.
Entende, na alma, que o futuro da quinta onda é um para um mesmo. Já tem 8,4 milhões de clientes registrados.
- Esse é o âmago da coisa
Cada cliente pode ter a informação completa e adora ser visto como indivíduo. Ninguém sabe os efeitos disso, mas ninguém quer perder o bonde.
Veja o ex-número 1 da Compaq - Eckhard Pfeiffer - demitido em abril. Causa principal da demissão: ele gostaria de imitar a Dell Computers (18 milhões de dólares de vendas on-line por dia em hardware customizado), mas não podia se arriscar a apostar tudo na Web e provocar a ira de seus distribuidores tradicionais. O dilema o paralisou. Pfeiffer está fora.
Não agir é o pior pecado. Ninguém sabe como a coisa vai ficar. Então, só experimentando. Na trajetória de A para C, o pior que pode haver é ficar atolado em B. Prepare-se para ver muita gente afundar no pântano da indecisão. A "destruição criativa" da quinta onda é alimentada pela sabedoria da rede. Não é simplesmente uma questão de tecnologia, é entender que na rede as coisas são diferentes; só tamanho não é documento; menos pode ser mais.
A melhor saída para as empresas "cimento e tijolo" que têm medo de destruir seu negócio atual, mas sabem que não podem perder a quinta onda, é criar empresas virtuais (se tiverem tempo; se não tiverem, devem comprar alguma que já exista), para concorrer com seu negócio e canais tradicionais. Pode ser que o que é negócio principal hoje não consiga mais competir amanhã. Cimento e tijolo podem esfarelar. Exatamente isso é o que acaba de fazer a Toys'R Us, o gigante do varejo de brinquedos, ao perceber a possibilidade de vir a ser "amazonizado" por um iniciante virtual chamado (adivinhe!) e-Toys.
As Amazons da vida aproveitaram-se do conhecimento que seus fundadores têm do potencial da tecnologia. Bezos e outros fizeram o que fizeram em cerca de dois anos. São quase nerds se divertindo. Mas...
- 5 - A nova economia é sobre estratégia, não é sobre tecnologia
Estratégia é sobre ser diferente. Requer pensamento original, e nisso os Bezos da vida têm sido realmente bons.
Estratégia é fazer as mesmas coisas que seu concorrente faz, mas de forma diferente, ou fazer coisas que o cliente valoriza, mas que seu concorrente não faz. A Amazon sabe ser diferente das duas maneiras, mas pode ser copiada. Seu modelo não tem nenhum mistério. Seu sucesso está na cabeça e na alma de Jeff Bezos, um empreendedor de verdade. Questão de vocação.
Enquanto os empreendedores da quinta onda experimentam freneticamente, a Internet vai definindo novos modelos de fazer negócio.
Há muito mais fracasso que sucesso, é claro. É a seleção natural darwiniana. Nunca tente usar um meio complexo, caótico e indisciplinado como a Internet para operar planos de marketing tradicionais, caretas, acadêmicos e de ontem... Nunca. O web site da Amazon não é particularmente bonito nem atraente, é funcional. Não perca seu tempo com glamour.
Se cimento e tijolo podem virar pó, empresas virtuais podem virar fumaça. Tudo o que não é sólido pode desmanchar-se no ar.
Louis Gerstner, o chefão da IBM, diz na Economist de 26/6/99: "A tempestade que está chegando - a verdadeira força - vai se manifestar quando milhares e milhares de instituições que existem hoje aproveitarem o poder dessa infra-estrutrura global de comunicacão e computação, e o usarem para transformar a si próprias. Essa é a verdadeira revolução".
Então, um cenário possível para o futuro quinta onda é o seguinte: as grandonas - IBMs, GEs, Siemens, Wal Marts - entram firme no jogo virtual e roubam a cena. As amazon.com até sobrevivem, mas não como os "donos da bola", que muitos hoje apostam que serão. Essa é a visão da The Economist, a sisuda revista semanal inglesa que, ao contrário da Fortune americana, está mais para o lado dos jovens empreendedores.
É isso que está sendo decidido. Quando (e se) as grandes conseguirem entrar, a coisa pode realmente virar. Quem vai vencer? Não sei. A chave para o que vai acontecer é, única e exclusivamente, a cabeça de quem está no comando hoje. Se os gigantes tradicionais mostrarem vocação para o virtual, se tiverem sensibilidade para entender o seu impacto e conseguirem abraçar o mundo novo com a cabeça e o coração, aí, concordo, ninguém segura.
Tamanho mais sensibilidade é melhor que apenas tamanho ou apenas sensibilidade. Essa é a grande questão, portanto. Mas os "estabelecidos" terão cabeça para fazer essa virada? Para mim, não é óbvio que a resposta seja sim.
- 6 - Vai ganhar quem souber integrar o familiar com o surpreendente
O que inspira é entender o fio condutor que une passado e futuro. A complexidade se instaura sempre por cima do que já existe. Assim, as empresas que terão mais sucesso serão as que aprenderem a integrar todo o manancial de riqueza e possibilidades da Web no mundo físico familiar. As empresas que souberem integrar mídia de massa e mídia interativa, fazendo uma reforçar a outra, estarão entre as campeãs. Idem para as que conseguirem integrar seus canais de venda tradicionais no web-commerce.
Quer um nome para apostar nesse páreo? IBM. Apesar de não ser uma empresa virtual, um quarto dos 80 bilhões de dólares que fatura está vindo de serviços relacionados ao comércio eletrônico de alguma forma e, mais importante, já tem uma história notável de reinvenção de si mesma e de "destruição criativa". Em menos de uma década, mudou o foco de hard para soft. Hoje é serviço. Está viva e bem, obrigado.
É esse, leitor, o debate que você devia estar acompanhando, em vez de perder tempo com as histórias da carochinha desses cursos de business que existem por aí. É pena.
Entre parênteses: no meio da mais extraordinária mudança que já houve no mundo das empresas, as escolas de administração e negócios não estão nem aí, e seguem recomendando literatura do século passado, inspirando-se num mundo que já morreu, apegadas à fantasia perversa de que esse mundo vai ressurgir das cinzas. Não vai. Honestamente, eu gostaria de saber quantos cursos de marketing/administração/negócios oferecem algo cujo conteúdo toque (de leve que seja) naquilo que se convencionou chamar de e-commerce ou e-business. Pouquíssimos, aposto. Mas, certamente, continuam todos obrigando seus alunos a ler história medieval (nada contra!), direito comparado (que ótimo!), filosofia escolástica (maravilha!), comportamento do consumidor - vulgo behaviorismo (nossa mãe!) - e mais as inevitáveis contabilidade, matemática financeira, estatística etc. etc. Conheço todos os argumentos que supostamente justificariam isso, ninguém precisa me enviar mensagens enumerando-os. Poupem, por gentileza, meu disco rígido... Eu sei, sim, que o futuro se constrói em cima do passado. Sei que mesmo a "destruição criativa" de Schumpeter não destrói, substitui. Sei que, como diz Peter Drucker, administração é uma disciplina que exige conhecimentos de história, matemática, filosofia, psicologia. Certo, certo e certo. Minha crítica é quanto ao enfoque: esses cursos são todos montados com base no pressuposto de que as empresas do futuro serão iguais às do passado.
Mas elas não serão iguais às do passado. E esse futuro já está aí. O desafio da escola é preparar para o mundo, mas o mundo (em que já estamos vivendo) tem outro tipo de lógica. Não dá para perdoar. E não venham me dizer, por favor, que isso a que me refiro ainda é muito recente para poder ser matéria de curso. Besteira. Há material abundante sobre isso tudo sendo reportado diariamente (em tempo real!). O pessoal quer é estar informado. Quer entender a dinâmica do que está em curso, não o desfecho. Fim do parêntese.
- O empreendedor é o motor da destruição criativa; sem ele, nada acontece.
Como é também de cimento e tijolo a alma da Toys'R Us, da Merryl Linch, da Compaq e de muitos outros gigantes ameaçados por concorrentes virtuais. De uma forma ou outra, o mundo quinta onda dos próximos cinco a dez anos será um turbilhão que vai afetar muito sua vida, leitor. Não há para onde correr.
- 7 - Seu desafio real é ser feliz
Personalidades charmosas e atraentes têm esses novos empreendedores da destruição criativa. Eles são os construtores da nova ordem.
- Serão bons exemplos?
Há um belo livro recente que trata muito bem dessa questão: The Corrosion of Character - The Personal Consequences of Work in the New Capitalism, Richard Sennett, Norton, 1998 (edição brasileira da Record).
"Há um perigo nesse negócio de empreendedor de si mesmo", diz o autor.
Antigamente, ser flexível significava ser capaz de adaptar-se temporariamente a condições que mudavam, sem perder a forma essencial (como uma árvore que enverga sob a ação do vento e depois volta à forma original). Mas Sennett vê a "flexibilidade" de hoje de uma maneira diferente. Ela significa não ter forma essencial nenhuma, estar sempre em fluxo, sempre se movendo de uma forma para outra. Ser flexível nesse sentido é não ter ligações nem comprometimentos. A empresa flexível tem que estar pronta para abandonar seu produto, suas estratégias e até mesmo seus clientes, para se mover para um mercado mais lucrativo ou adotar uma nova maneira de fazer negócios.
Mas nós não somos Bill Gates, certo, leitor? Uma vez que estabelecemos uma ligação com lugares ou pessoas, não gostamos de rompê-la. O caráter de uma pessoa depende de suas conexões com o mundo a seu redor.
Romper essas conexões deixa-nos com um senso de vazio tremendo. Não teríamos amigos, só contatos. Não teríamos ligações profissionais, só times temporários de trabalho. Não haveria mais longo prazo, só o aqui e o agora. Isso iria remover um dado central da nossa humanidade: não teríamos mais uma narrativa com a qual nos identificar. Sem uma narrativa para dar forma ao "movimento do tempo para a frente", perderíamos o sentido do que seja desenvolvimento pessoal.
A velha ética do trabalho - que dizia que o sacrifício de hoje traria a recompensa de amanhã - não teria mais sentido. Se tudo muda da noite para o dia, por que se preocupar com o amanhã?
A empresa é feita de pessoas, e pessoas só existem por causa de narrativas. O autor Peter Brook diz: "Nossas vidas estão permanentemente inter-relacionadas a narrativas - com histórias que contamos e que ouvimos. Que sonhamos, imaginamos ou que gostaríamos de contar.
Todas elas são trabalhadas e retrabalhadas num depósito (nossa própria vida) em que narramos, contamos coisas para nós mesmos, num monólogo episódico, às vezes semiconsciente, mas virtualmente ininterrupto. Vivemos imersos em narrativas, recontando e reavaliando o significado de nossas ações passadas. Antecipando o resultado de futuros projetos. Situando a nós próprios na interseção de várias histórias incompletas".
Um dos personagens de Sennett chama-se Rico, um bem-sucedido consultor especializado em tecnologia. Rico vive uma crise pessoal. Ele e a mulher, Jeannette, casaram-se enquanto estavam na business school.
Ambos são profissionalmente muito bem-sucedidos. Nos 14 anos em que estão casados e com um MBA, mudaram-se quatro vezes. Apesar de todo o sucesso, não têm controle sobre suas vidas. Sempre à espera de um chamado para outro projeto, não têm senso de pertencer a nada. O pai de Rico foi servente a vida toda. Era um ítalo-americano com ligações fortes com sua comunidade. Seu trabalho não mudava dia após dia, mas ele conseguiu, lentamente, ir construindo uma vida melhor para sua família.
Ele e sua esposa checavam sua poupança toda semana e mediam seu progresso pelas pequenas melhoras que iam conseguindo fazer, ano a ano, na casa em que moravam. Com toda a monotonia daquela vida, o pai de Rico tinha um senso concreto de progresso na vida.
Ele era ator no enredo que tecia. Havia um enredo. Apesar de estar situado bem abaixo na escala social, sua narrativa pessoal dava-lhe um senso de autorrespeito. Sua identidade como homem emergia da unidade de sua vida. Seu filho, ao contrário, tem uma vida profissional excitante por sua interminável variação. Rico teve o exemplo do seu pai no esforço de construir, dia a dia, uma vida melhor para os filhos, mas sente que não tem algo equivalente para os seus. Seu sucesso significa pouco para seus filhos. Sua maior preocupação é não poder oferecer "a substância de sua vida de trabalho", como exemplo de como seus filhos devem conduzir-se eticamente. Seu trabalho nada tem a ver com sacrifício e dedicação. "Você pode imaginar como eu me sinto estúpido ao falar em dedicação para meus filhos", diz Rico. "É uma virtude abstrata para eles. Eles não veem isso em lugar nenhum."
Isso é para você pensar, leitor. Esse tipo de fragmentação pessoal é mesmo um risco na sociedade da quinta onda, e caberá a você lidar positivamente com mais esse desafio. Nem só de excitação e novidade se alimenta o futuro, mas - como diz a Harvard Business Review (maio/junho 1999), comentando o livro -, se o risco existe, há também coisas muito boas que Sennett não vê.
Lidaremos melhor com o fracasso, por exemplo. Se temos mais chance de experimentar o fracasso, a maneira pela qual lidaremos com ele será mais saudável também. No ambiente explosivamente experimentador do Silicon Valley, em que há muito mais histórias de fracasso do que de sucesso, há uma geração aprendendo a, de certa forma, orgulhar-se diante do fracasso, vendo-o como uma oportunidade de crescimento e de predisposição para experimentar livremente. Nada a ver com essa cultura ridícula do "vencedor" que ainda glorificamos mas que é resquício de ondas passadas. O "vencedor" de ontem vai morrer também. Se você nunca falhou, você é suspeito. Fracasso na quinta onda vai ser muito menos catastrófico, vai ser comum. Falhou no seu último job como agente de si mesmo? Não importa, sempre haverá um próximo para você se dar bem. O lado bom é que, tiradas do conforto de seus "empregos vitalícios", as pessoas percebem que têm de assumir a responsabilidade por sua vida profissional e pessoal.
Essa atitude, para mim, pode ser a chave para resultados consistentes e duradouros. Mais do que qualquer livro, qualquer palestra, qualquer guru. Se isso assusta um pouco, é porque o eixo da coisa é deslocado para você.
Você é o ator. Você tem que se expor. Não há nada nem ninguém que possa substituí-lo no processo de construir a própria vida, fazendo suas opções.
O dia-a-dia, em qualquer empresa, emburrece, pois a tendência dos livros, dos "treinamentos, das palestras e dos gurus é tirar a responsabilidade de você, dando a entender que alguém pode ensinar-lhe algo. Isso é ilusão.
Como já disse, você tem que aprender, mas ninguém lhe pode ensinar.
A vida, na empresa e fora dela (estratégias e tudo o mais), tem que ser construída pelo engajamento, não pelo papo. No processo, você vai errar; você tem que errar. Não podemos é nos tornar, também, "homens e mulheres virtuais", eficientes e adaptados, mas sem substância.
A lógica do futuro (que já chegou, lembre-se) diz que isso depende exclusivamente de você.
"Aqueles que não usarem a razão morrerão ao agir. Aqueles que não agirem morrerão por essa razão" W. H. Auden (Collected Shorter Poems)
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