quinta-feira, 22 de outubro de 2015

BRASIL - O CONTATO TAMBÉM MATOU MILHÕES DE EUROPEUS (33 a 40)

  • 006 - O CONTATO TAMBÉM MATOU MILHÕES DE EUROPEUS  (33 a 40)
Genocídio e extermínio, palavras sempre usadas para se falar do contato dos portugueses com os índios, denotam ações com o propósito deliberado de matar um grupo de pessoas. Por mais cruéis que os portugueses e seus aliados índios tenham sido durante as bandeiras e caçadas de escravos nos sertões, essas ações respondem por uma pequena parte da enorme mortalidade de índios durante os primeiros séculos de Brasil. A grande maioria deles morreu por doenças que os portugueses trouxeram, sobretudo gripe, varíola e sarampo. O simples contágio criou epidemias que devastaram nações indígenas inteiras. É injusto responsabilizar os portugueses por essas mortes. Epidemias causadas pelo contato de etnias foram muito comuns na história do homem: não aconteceram só com os nativos da América. Talvez os antepassados deles próprios, durante milênios de diáspora pelo mundo, tenham transmitido doenças a povos de regiões onde pisaram. Além disso, no século 16, ainda demoraria trezentos anos para se descobrir que as doenças contagiosas são causadas por micro-organismos e passam de uma pessoa a outra pela respiração e pela picada de mosquitos. Tinha-se apenas uma noção vaga da transmissão de doenças venéreas. Acreditava-se então que as doenças vinham de ares malignos, ”maus ares”, expressão que deu o nome à malária. Os colonos e navegadores morriam de medo de ser contaminados por esses ares no Brasil. Existe uma história muito boa sobre esse temor. Em 1531, a expedição de Martim Afonso de Souza chegou à ilha de Queimada Grande, no litoral de São Paulo, que estava repleta de fragatas e mergulhões. Ao voltar para a caravela, os marinheiros de repente sentiram um vento quente vindo da ilha. Para eles, era o típico vento demoníaco causador de febre. Pensando em evitar que o suposto vento contaminado se espalhasse, voltaram e atearam fogo na ilha inteira. Diante da morte inexplicável de tantos nativos, os colonos e os jesuítas não ficavam contentes. Numa carta de 1558, o padre Antônio Blásquez parece triste ao relatar que justamente os índios mais próximos e comprometidos com a Igreja eram os primeiros a morrer. Isso acontecia tanto que, entre os pajés, corria o boato de que a fé cristã matava. Segundo o padre, depois da morte do filho de um cacique, ”os feiticeiros diziam que o batismo o matara, e que por ser tanto nosso amigo, morrera”. Na verdade, quando chegaram ao Brasil, os portugueses pensavam que eles é que ficariam doentes. Era isso o que acontecia aos navegadores no resto do mundo. Os habitantes da África e da Ásia eram muito mais resistentes a doenças que os portugueses. Nesses lugares, os europeus ficavam derrubados diante de vírus e parasitas estranhos, para os quais não tinham defesa biológica. Para piorar, depois de meses de alimentação precária nas caravelas, o sistema imunológico ia para o chão. Quando voltavam das viagens, novas doenças apareciam em Portugal. O tifo surgiu depois do contato com os turcos no leste do Mediterrâneo; a febre amarela veio da África; o cólera, dos indianos. Essas doenças então desconhecidas causaram crises de mortalidade na população portuguesa. Com base em registros de óbitos e nascimentos em Lisboa, a historiadora portuguesa Teresa Rodrigues descobriu que a cidade viveu grandes crises de mortalidade a partir de 1550, provocadas sobretudo por ”epidemias importadas por via dos contatos marítimos e terrestres”. Apesar de pouca gente falar sobre isso, centenas de milhares de mortes devem ter sido causadas na Europa por males Americanos. Ao chegarem a América, espanhóis, franceses, portugueses e holandeses penaram com doenças novas e as transmitiram pelo mundo. O antropólogo Michael Crawford, diretor do Laboratório de Antropologia Biológica da Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, cita alguns desses males: purupuru, bouba e sífilis venérea, doenças infecciosas causadas por treponemas, novas cepas de tuberculose (doença que foi uma das principais causas de morte até a popularização dos antibióticos e ainda hoje mata quase 3 milhões de pessoas por ano), doenças autoimunes e parasitas, muitos parasitas da pele e do intestino. Por muito tempo não houve consenso de que a sífilis tenha sido transmitida aos europeus pelos índios Americanos. Apesar de a primeira epidemia ter acontecido em Nápoles no ano de 1495, logo depois das primeiras viagens a América, havia descrições mais antigas de sintomas similares. A certeza veio em 2008, com um estudo genético da Universidade Emory, dos Estados Unidos. Os pesquisadores compararam o DNA de diferentes bactérias do gênero Treponema. Conseguiram montar uma árvore genealógica das bactérias, revelando que a causadora da sífilis e afiliada de bactérias americanas. Com a análise, ficou provado que a doença saiu da América a bordo das caravelas. A sífilis causou tragédias na Europa. Os historiadores Carmen Bernand e Serge Gruzmski, autores do livro História do Novo Mundo, estimam que ela atingiu mais de um terço dos navegadores. O homem apontado como o primeiro sifilítico da Europa é justamente um navegador: Martin Alonso Pinzón, comandante da caravela Pinta, que descobriu a América junto com Cristóvão Colombo, em 1492. Pinzón teria feito sexo com índias na ilha de Hispaniola (hoje Haiti e República Dominicana). Morreu em 31 de março de 1493, logo depois de voltar da viagem do descobrimento, com o corpo cheio de feridas causadas pela sífilis. Nos estágios iniciais, a sífilis provoca feridas no pênis ou na vagina. À medida que a infecção se desenvolve, feridas, manchas e cascas se espalham pelo corpo, caem tufos de cabelos e nascem verrugas no ânus. No último estágio, a bactéria atinge artérias e cérebro. Antes de morrer, o doente fica cego e, muitas vezes, louco. Espalhando-se pelos soldados, e nas cidades portuárias, essa doença aterrorizante devastou populações e adquiriu novos nomes por onde passou - ”mal das índias”, ”mal napolitano”, ”mal gálico” ou ”mal francês”. Cidades da Europa chegaram a fechar bordéis, proibindo a mais antiga profissão do mundo, na tentativa de conter a epidemia. Os portugueses ainda sofriam com parasitas do intestino e da pele. Numa terra desconhecida, germes simples viram um problema danado. Um bom exemplo é o bicho-de-pé Americano. Os índios tentavam lidar com o parasita mantendo os pés limpos e arejados. Já entre as alpargatas quentes, sujas e úmidas dos portugueses, o bicho-de-pé fazia a festa. Muitos europeus perderam o pé antes de descobrir que deveriam tirar o danado com uma agulha. O bicho-de-pé americano se espalhou para colônias europeias na África, causando uma ”epidemia de dedos perdidos e infecções secundárias fatais de tétano”, como afirma o historiador Alfred Crosby. Em 1605, o padre Jerônimo Rodrigues (que era bom em escrever relatos resmungões) contou que até mesmo os índios de Santa Catarina sofriam com o parasita:Há nesta terra grandíssimo número de imundícies, scilicet, bichos de pés e muito mais pequenos que os de lá, de que todos andam cheios. E alguns meninos trazem os dedinhos das mãos, que é uma piedade, sem haver quem lhos tire. Americanos e europeus também trocaram costumes que se revelariam mortais. É muito comum atribuir aos brancos a responsabilidade pelo alcoolismo entre índios. Em diversas tribos, os homens se tornam alcoólatras com muita facilidade, o que desestrutura a sociedade indígena. Ninguém, no entanto, culpa os índios por um hábito tão trágico quanto o álcool: fumar tabaco. Até os navegadores descobrirem a América, não havia cigarros na Europa nem o costume de tragar fumaça. Já os índios americanos fumavam, cheiravam e mascavam a folha de tabaco à vontade. A planta significava uma ligação com os espíritos e era usada em cerimônias religiosas. Entre os tupis, os caraíbas (um tipo de líderes espirituais) pregavam em transe, exaltados com o fumo muito intenso de tabaco. Em outras tribos, fumava-se antes de guerras, para aliviar dores e também por prazer. Nas colônias do Caribe e do Brasil, os poderes do tabaco logo conquistaram os brancos. Vasco Fernandes Coutinho, donatário da capitania hereditária do Espírito Santo, chegou a ser condenado por ”beber fumo” com os índios. Os jesuítas usavam a expressão "beber fumo" porque ainda não existia no português o verbo "fumar" - ele só entraria em nosso vocabulário em 1589, segundo o Dicionário Houaiss.Apesar de evitarem aderir aos costumes indígenas, os padres faziam vista grossa para o fumo - eles também deveriam dar umas tragadas, pois acreditavam que a ”erva santa” fazia bem para curar feridas, eliminar o catarro e aliviar o estômago, órgão que, diante da alimentação brasileira, fazia os padres sofrer. O tabaco fez tanto sucesso no litoral de São Paulo que Luís de Góis, um dos fundadores da capitania de São Vicente, resolveu levar uma amostra de fumo ao rei de Portugal. Na corte, a planta chamou a atenção de Jean Nicot, embaixador francês em terras lusitanas. Entusiasmado com a descoberta, o diplomata mandou, em 1560, uma remessa de fumo para a sua rainha, Catarina de Médici. A rainha francesa adorava novidades e achou o tabaco sensacional, fazendo a planta cair no gosto da corte francesa. O embaixador Nicot acabou emprestando seu sobrenome para o nome científico da erva (Nicotiana tabacum), assim como da substância ”nicotina”. Os primeiros carregamentos de tabaco consumidos entre os nobres europeus vieram do Brasil. É provável que a primeira plantação de tabaco para exportação do mundo tenha sido uma roça paulista de 1548. Por quase três séculos, a planta foi o segundo maior produto de exportação do Brasil, atrás apenas da cana-de-açúcar. Séculos depois, com a industrialização do cigarro, o hábito de fumar tabaco resultaria numa catástrofe com milhões de mortes. A Organização Mundial de Saúde estima que o fumo vai matar 1 bilhão de pessoas no século 21. Culpa dos índios? Claro que não. Os índios e seus descendentes não têm nenhuma responsabilidade sobre um hábito que copiamos deles. Na verdade, temos é que agradecer a eles por terem nos iniciado nesse costume maravilhoso que é fumar tabaco e outras ervas deliciosas. Da mesma forma, quem hoje se considera índio poderia deixar de culpar os outros por seus problemas.   

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