005 - OS PORTUGUESES ENSINARAM OS ÍNDIOS A PRESERVAR A FLORESTA (28 a 32)
- O mito do índio como um homem puro e em harmonia com a natureza já caiu faz muito tempo, mas é incrível como ele sempre volta. Todo mundo sabe que personagens como Peri, o herói do livro O Guarani, de José de Alencar, estavam mais para relato épico que para história.
Mesmo assim é difícil pensar diferente. Até os documentários etnográficos e os museus propagam a imagem do índio em paz com árvores e animais. Em janeiro de 2009, um texto informativo da exposição Oreretama, do Museu Histórico Nacional, do Rio de Janeiro, dizia que a sociedade indígena ”era um tipo de organização que tendia a manter o equilíbrio entre as comunidades humanas e o meio ambiente”. Não e bem assim. Antes de os portugueses chegarem, os índios já haviam extinguido muitas espécies e feito um belo estrago nas florestas brasileiras. Se não acabaram com elas completamente, e porque eram poucos para uma floresta tão grande. As tribos que habitavam a região da mata atlântica botavam o mato abaixo com facilidade, usando uma ferramenta muito eficaz: o fogo. No fim da estação seca, praticavam a coivara, o ato de queimar o mato seco para abrir espaço para a plantação, empregado até hoje. No início, a coivara é eficiente, já que toda a biomassa da floresta vira cinzas que fertilizam o solo. Depois de alguns anos, o solo se empobrece. Pragas e ervas daninhas tomam conta. Como não havia enxadas e pesticidas e ninguém sabia adubar o solo, procuravam-se outras matas virgens para queimar e transformar em roças. O historiador Americano Warren Dean estimou que a alimentação de cada habitante exigia a devastação de 2 mil metros quadrados de mata por ano. ”Se os agricultores não abrissem senão floresta primária, teriam queimado cerca de 50 por cento dela pelo menos uma vez naquele milênio”, escreveu Dean. A devastação foi maior nas áreas mais povoadas. Nas florestas próximas ao litoral, os índios devem ter queimado a mata pelo menos duas vezes por século. A conta de Warren Dean não considera incêndios acidentais nem queimadas por guerras ou para a caça. O fogo usado para fins de caça foi igualmente destruidor, já que a agricultura não era o forte dos índios brasileiros. É verdade que havia pequenas lavouras, principalmente de mandioca, mas ninguém imaginava fazer plantações intensivas ou métodos sistemáticos de colheita, replantio e rotação de culturas. Havia outro empecilho: grandes reservas de comida atraiam invasores, provocando mais guerras e mais mudanças - não valia a pena investir numa área que talvez tivesse de ser abandonada a qualquer momento. A grande vantagem ao fogo era facilitar a caça. Criando fogueiras coordenadas, um pequeno grupo de pessoas consegue controlar uma área enorme da mata sem precisar de machados, serrotes ou alguma outra ferramenta de ferro. As chamas desentocam animais escondidos na terra, no meio de arbustos e nos galhos. Aves, macacos, veados, capivaras, onças, lagartos e muitos outros animais corriam em direção ao mesmo ponto, onde os índios os esperavam para captura-los. Não e à toa que, assim como em todo o resto do mundo, nas florestas brasileiras só havia animais de grande porte, rápidos e agressivos os mais lentos foram logo extintos pelas populações nativas. Para caçar alguns poucos animais, eles destruíam uma área enorme da floresta. O poder do fogo e da devastação ambiental ficou gravado no vocabulário tanto dos índios quanto dos portugueses. Na língua tupi, são muitas as palavras diferenciando as matas abertas, como capoeira (”roça abandonada”), cajuru (”entrada da mata”), caiuruçu (”incêndio”), capixaba (”terreno preparado para plantio”) Os índios caiapós usavam tanto o fogo que daí veio o nome da tribo - ”caiapó” significa ”que traz o fogo à mão”. Quando os europeus chegaram por aqui, refugiaram-se em campos que já haviam sido abertos pelos tupis. Alguns biólogos perguntam se as queimadas indígenas não apressaram ou favoreceram o surgimento de cerrados e campos de gramíneas em locais onde antes havia florestas. Vêm das clareiras abertas pelos índios nomes de lugares como Capão Redondo, Capão da Imbuía, Campo Limpo, Campos Campinas, São Bernardo do Campo, Santo André da Borda do Campo. Alguns locais mostram até quais índios abriram a mata, como a cidade fluminense de Campos dos Goytacazes. A floresta era o maior inimigo dos índios, e é fácil entender por quê. Para quem mora na cidade, é possível enxergar as árvores como um abrigo da paz e de boas energias. Mas quem vive no mato conhece bem o significado da expressão ”inferno verde”. Não tanto por cobras e grandes animais que podem atacar o homem, mas pelos pequenos. Mosquitos, aranhas, formigas e todo tipo de artrópodes infernizam quem se atreve a passar a noite na mata. Simples picadas transmitem vírus e protozoários causadores de febres que inutilizam uma pessoa por semanas, quando não deixam seu corpo repleto de feridas permanentes, como no caso da leishmaniose. Mesmo nas clareiras e nas ocas, ainda hoje os índios precisam manter fogueiras constantemente acesas, para espantar mosquitos. Por isso, quando os portugueses se mostraram interessados em pau-Brasil, os índios derrubaram as árvores com gosto. As ferramentas de aço satisfizeram seu desejo de se livrar do mato sem se importar com o resultado da devastação. Em cinco séculos, algumas tribos fizeram tanto mal à mata quanto os não índios. Conta o historiador Warren Dean: Um grupo caingangue residente no Paraná, que havia recebido ferramentas de aço apenas no século 20, lembrava-se de que não mais tinha de escalar árvores, outrora uma atividade muito frequente, para apanhar larvas e mel. Muitos dos que caíam das árvores morriam — agora eles simplesmente derrubavam as árvores. Os jesuítas se encantavam com o fato de os índios não se preocuparem em acumular riquezas, não serem ”luxuriosos”. Essa característica também fazia os índios não se preocupar em deixar riquezas naturais para o futuro. Apesar de muitos líderes indígenas de hoje afirmarem que o homem branco destruiu a floresta enquanto eles tentavam protegê-la, esse discurso politicamente correto não nasceu com eles. Nasceu com os europeus logo nas primeiras décadas após a conquista. Os portugueses criaram leis ambientais para o território brasileiro já no século 16. As ordenações do rei Manuel primeiro (1469-1521) proibiam o corte de árvores frutíferas em Portugal e em todas as colônias. No Brasil, essa lei protegeu centenas de espécies nativas. Em 1605, o Regimento do Pau-Brasil estabeleceu punições para os madeireiros que derrubassem mais árvores do que o previsto na licença. A pena variava conforme a quantidade de madeira cortada ilegalmente. Pequenos excedentes seriam apreendidos e renderiam ao concessionário multa de cem cruzados. Quem cortasse mais de seis toneladas receberia um castigo maior: pena de morte. A nova lei também estipulava regras de aproveitamento da floresta. O rei proibiu o abandono de toras e galhos pela mata, de modo que ”se aproveite todo o que for de receber, e não se deixe pelos matos nenhum pau cortado”. Os colonos também não podiam transformar matas de pau-Brasil em roças. ”Essa legislação garantiu a manutenção e a exploração sustentável das florestas de pau-Brasil até 1875, quando entrou no mercado a anilina”, escreveu o biólogo Evaristo Eduardo de Miranda. ”Ao contrário do que muitos pensam e propagam, a exploração racional do pau-Brasil manteve boa parte da mata atlântica até o final do século 19 e não foi a causa do seu desmatamento, fato bem posterior.”
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